Constantemente vejo pessoas reclamando do estresse que sentem quando usam as redes sociais e se deparam com algum conteúdo desagradável ou com o qual não concordam (vou deixar de fora os crimes de incitação de ódio, racismo, homofobia, transfobia etc.). Outras também reclamam da sensação de dia perdido quando percebem a quantidade de tempo gasto na aba descobrir ou com os stories e memes. E eu me identifico demais com isso, porque todo santo dia me pego sentindo o mesmo.
Talvez o propósito inicial na criação das redes sociais fosse bom, mas isso ficou lá atrás, já que há muito tempo elas deixaram de ser um ambiente construtivo. Quando introduziram algoritmos cujo objetivo é modificar nosso comportamento para nos vender às empresas que topem bancar a estrutura de funcionamento das redes, a coisa fica feia. (Não tirei da minha cabeça essa ideia, como uma pessoa pessimista e antiquada. Tirei do livro Dez argumentos para você deletar suas redes sociais agora, de Jaron Lanier — um cientista de dados de rastafari que trabalhou por muito tempo no Vale do Silício.)
Além de servirem ao propósito de nos modificar para nos vender aos anunciantes, os algoritmos que regem uma rede social costumam privilegiar conteúdos sensacionalistas e com frequência mentirosos ou enganosos; é só olhar o desastre que quase foi a condução da pandemia do covid-19 e a luta inglória contra as fake news, especialmente as eleitoreiras.
Pois bem, para mim deu. A esta altura eu não aguento mais as redes sociais e não tolero mais o discurso de "saber usar", sabe por quê? Porque ela tem sido desenvolvida de forma intencional para nos deixar presos. Citando Lanier:
O prazer viciante e os padrões de recompensa do cérebro — a "[pequena dose de dopamina" [que recebemos quando alguém curte nossas fotos ou posts] — integram a base do vício em redes sociais, mas não é só isso, porque a rede social também usa a punição e o reforço negativo. [...] Você está recebendo o equivalente a petiscos e choques elétricos quando usa as redes sociais.
Na minha concepção, as redes sociais se tornaram uma espécie de relacionamento abusivo. Explico: dentre os muitos motivos que levam uma pessoa a permanecer num relacionamento abusivo existe a vontade de querer ficar por uma ou duas coisas boas, ainda que para isso seja preciso aceitar uma vida bem ruim.
Do que uma pessoa que sofre em um relacionamento abusivo e a sociedade (a democracia, a igreja, as famílias, os grupos de amigos etc.) que vive em um relacionamento abusivo com as redes sociais precisam a fim de se libertar dessa realidade? Lanier diz novamente: "Ter consciência é o primeiro passo para a liberdade".
Você tem consciência do que as redes sociais fazem com você? Você analisa como uma postagem desagradável mexe com você e como um like ou comentário agradável faz você se sentir? Você tem consciência de como elas afetaram a vida das pessoas que você ama? Será que aquela tia tão fofinha na sua lembrança de infância é mesmo má ou ela teve o cérebro raptado por uma máquina do mal? E se você tem essa consciência e consegue perceber como suas relações mudaram nos últimos dez anos, se pergunta sobre o quanto dessa mudança se deu por conta do seu crescimento — o que certamente deve ser considerado — e o quanto se deve à influência das redes sobre elas nos últimos dez ou quinze anos?
Eu estou saindo das redes nesta semana, menos do whatsapp (não dá mais para ficar sem) e do pinterest (não sei dizer ainda se é a mesma coisa). Não incentivo você sair porque acredito que isso que estou fazendo é um suicídio digital, já que poucas pessoas vão atrás de você onde você está (é a máxima da publicidade em ação: quem não é visto não é lembrado). Mas o incentivo fortemente a pensar o uso e os efeitos das redes na sua vida e em seus relacionamentos. Espero ter contribuído com isso nesta semana, e saiba que esse assunto ainda vai voltar por aqui.
livro Além do Dez argumentos para você deletar suas redes sociais agora, indico um que ainda não li chamado Todo mundo mente: O que a internet e os dados dizem sobre quem realmente somos. (Sim, estou indicando um livro que não li, e isso faz sentido para mim hoje, rsrs.)
série/filme/youtube/podcast Podcast Tecnocracia, não poderia ser outro, rs.
um música que ouvi hoje Exile, da Taylor Swift.
Até semana que vem!
pensando bastante sobre isso esses dias... o tempo perdido (não gasto) é tão ruim quanto os bombardeios de notícia ruim e coisa chata.
Boa. De tudo que se pode perder, o mais precioso é o tempo. A frase não é minha. Ironicamente, vi no Instagram!